Aprender é um processo que acompanha o ser humano por toda a vida, mas na infância ele acontece de forma ainda mais intensa e profunda. Cada criança aprende no seu ritmo, influenciada por fatores biológicos, sociais, emocionais e culturais. Por isso, cobrar que uma criança aprenda como um adulto — ou tratá-la como atleta profissional — é um dos maiores erros que podemos cometer enquanto educadores, pais ou treinadores.
A pedagogia do esporte, como reforça a ATFA, nos lembra que a criança não aprende por adestramento, mas por educação, o que envolve consciência, liberdade, valores e desenvolvimento integral. Para entender como ensinar melhor, precisamos primeiro compreender como uma criança aprende e como cada idade evolui.
Brincar é a principal atividade da infância. É na brincadeira que a criança desenvolve coordenação, percepção, equilíbrio, criatividade, autonomia, tomada de decisão e até controle emocional. Não é exagero dizer que a brincadeira é a melhor ferramenta de ensino: ela respeita o corpo, a mente e o tempo da criança.
Por isso, nenhuma criança deve ser cobrada como adulto. No esporte, especialmente no futebol, o papel do treinador não é “treinar atletas”, mas formar pessoas — educando valores como respeito, solidariedade, participação, convivência e trabalho em equipe.
O que ensinar em cada idade – Guia para treinadores e educadores
A seguir, um panorama claro, prático e aplicável sobre o que ensinar e o que esperar de cada faixa etária.
Nesta fase, a criança está consolidando seu esquema corporal e aprende melhor por meio de estímulos simples, variados e lúdicos.
O que ensinar:
Coordenação motora geral (correr, saltar, girar, rolar).
Controle básico da bola: conduzir, chutar, parar.
Jogos com regras simples e flexíveis.
Noções iniciais de cooperação: jogar com o amigo, compartilhar a bola.
Pequenos desafios que desenvolvam criatividade.
O que esperar:
Alta dispersão — é normal.
Erros constantes ao executar movimentos.
Tomada de decisão simples e espontânea.
Compreensão limitada de estratégias.
O que NÃO cobrar:
Tática.
Posicionamento rígido.
Técnica perfeita.
Competitividade exagerada.
O mais importante é despertar amor pelo esporte.
Aqui a criança começa a desenvolver coordenação mais avançada e já entende melhor regras e relações dentro do jogo.
O que ensinar:
Habilidades específicas do futebol: domínio, passe, condução, chute.
Jogos reduzidos (3x3, 4x4) para aumentar o contato com a bola.
Noções de espaço: abrir, aproximar, atacar e defender juntos.
Princípios táticos básicos: apoiar, desmarcar, proteger a bola.
Tomada de decisão: quando passar, quando driblar.
O que esperar:
Melhora rápida da técnica.
Maior foco e disciplina.
Começo de entendimento coletivo.
O que NÃO cobrar:
Cobrança emocional ou pressão por desempenho.
Aplicação tática como no futebol adulto.
Especialização em posição.
Este é o “período de ouro do aprendizado motor”: a melhor fase para aprender fundamentos sem pressão.
Com o início da adolescência, há explosão de desenvolvimento físico, cognitivo e emocional.
O que ensinar:
Fundamentos específicos com maior complexidade.
Posicionamento inicial: laterais, zagueiros, meias, atacantes — sem rigidez.
Princípios táticos mais elaborados: cobertura, linhas, compactação.
Preparação física adequada à idade: velocidade, resistência leve, agilidade.
Inteligência de jogo: antecipação, leitura da jogada, escolhas.
Valores de grupo: responsabilidade, respeito, comportamento.
O que esperar:
Diferenças físicas grandes entre crianças da mesma idade.
Oscilações emocionais.
Maior capacidade de concentração e compreensão tática.
O que NÃO cobrar:
“Resultado acima de tudo”.
Pressão profissional.
Especialização extrema (ex.: só jogar de volante sempre).
A adolescência é fase de construção do caráter — e o esporte deve ser ferramenta para isso.Por que não cobrar como jogador profissional?
Porque a criança ainda está aprendendo a entender o próprio corpo, os sentimentos, as regras sociais e a convivência em grupo.
Pedir maturidade emocional, técnica e tática de adulto é injusto, desumano e anti-pedagógico.
Como ensina o material da ATFA, educar é diferente de adestrar.
Educar envolve consciência, estímulo, liberdade, desenvolvimento humano.
Adestrar é apenas repetir e impor — e isso não forma jogadores nem pessoas melhores.
A criança aprende por meio da descoberta, da brincadeira e da convivência. Cada idade traz possibilidades e limitações, e cabe ao treinador entender isso para ensinar sem pressionar, orientar sem impor e estimular sem antecipar etapas.
Respeitar o tempo, o corpo e a mente da criança é o único caminho para formar bons jogadores — e, principalmente, bons seres humanos.